Queridos irmãos e irmãs!
O sacerdócio do Novo Testamento está
intimamente ligado à Eucaristia. Hoje, Solenidade de Corpus Christi e
próximos do fim do Ano Sacerdotal, somos convidados a meditar sobre a
relação entre a Eucaristia e o sacerdócio de Cristo. … Ela é a alegria
da comunidade, a alegria de toda a Igreja, que, contemplando e adorando o
Santíssimo Sacramento, reconhece a presença real e permanente de Jesus,
o eterno Sumo Sacerdote.
…
A
primeira coisa que deve sempre ser tida em mente é que Jesus não foi um
sacerdote conforme a tradição judaica. Sua família não era sacerdotal.
Ele não pertencia aos descendentes de Aarão, mas de Judá, e, portanto,
estava excluído do sacerdócio. A pessoa e a atividade de Jesus de Nazaré
não se encontram no modo dos antigos sacerdotes, mas sim no dos
profetas – e nesta linha, distanciou-se de uma concepção ritual de
religião, criticando a abordagem que dava mais valor aos preceitos
humanos ligados à pureza ritual do que à observância dos mandamentos de
Deus, isto é, àquele amor a Deus e ao próximo que “vale mais que todos
os holocaustos e sacrifícios” (Marcos 12:33).
Mesmo dentro do Templo de Jerusalém,
lugar sagrado por excelência, Jesus cumpriu um gesto puramente profético
quando expulsa os cambistas e vendedores de animais, coisas que eram
usadas para os tradicionais oferecimentos de sacrifícios. Portanto,
Jesus não é reconhecido como um Messias sacerdotal, mas profético e
real. Mesmo sua morte, que os cristãos corretamente chamam “sacrifício”,
não tem nada dos antigos sacrifícios. Na realidade, foi o oposto: uma
morte das mais infamantes, por crucifixão, que ocorreu fora dos muros de
Jerusalém.
Em que sentido, então, Jesus é um
sacerdote? A Eucaristia nos dá a resposta precisa. Podemos começar,
novamente, daquelas palavras simples que descrevem Melquisedec: “Ele
ofereceu pão e vinho” (Gênesis 14:18). É o que fez Jesus na última ceia:
ofereceu pão e vinho, e neste gesto resumiu a Si mesmo e toda sua
missão. Naquele ato, na oração que o precede e nas palavras que o
acompanham, está todo o sentido do mistério de Cristo, como a Epístola
aos Hebreus expressa em um passo decisivo que deve ser mencionado: “Nos
dias de Sua vida terrena,” escreve o autor referindo-se a Jesus, “Ele
ofereceu orações e súplicas, com fortes gritos e lágrimas a Deus que
poderia salvá-Lo da morte, e, por causa de seu completo abandono a Deus,
Suas orações foram ouvidas e respondidas. Embora ele fosse filho,
aprendeu a obediência daquilo que sofreu e foi designado por Deus para
ser sacerdote da ordem de Melquisedec”(5.8 to 10). Neste texto, que
claramente alude à agonia espiritual do Getsemani, a paixão de Cristo é
apresentada como uma oração e uma oferta. Jesus encara Sua “hora”, que
leva à morte em uma cruz, imerso em profunda oração, que consiste na
união de Sua própria vontade com o Pai. Esta vontade dupla e única é uma
vontade de amor. Vivida nesta oração, a trágica prova que Jesus
enfrenta é transformada em oferta, um sacrifício vivo.
A Carta aos Hebreus diz que Jesus “foi
ouvido”. Em que sentido? No sentido que Deus Pai O libertou da morte e O
ressuscitou. Foi ouvido precisamente por causa de Seu completo abandono
à vontade do Pai: o plano de amor de Deus pôde perfeitamente ser
cumprido em Jesus, que, tendo obedecido mesmo até a morte numa cruz, tornou-se
“causa de salvação” a todos aqueles que Lhe obedecem. Ele se torna o
Sumo Sacerdote, tendo tomado sobre Si todos os pecados do mundo, como o
“Cordeiro de Deus”. É o Pai que dá este sacerdócio a Ele no
próprio momento em que Jesus atravessa a passagem de sua morte e
ressurreição. Não é um sacerdócio segundo a ordem da Lei Mosaica (cf.
Lev. 8-9), mas “segundo a ordem de Melquisedec” – segundo uma ordem
profética, dependente apenas de seu relacionamento singular com Deus.
Retornemos à expressão da Carta aos Hebreus que diz: “Sendo filho, aprendeu a obediência daquilo que sofreu”. O
sacerdócio de Cristo envolve sofrimento. Jesus realmente sofreu, e
assim o fez por nós. Ele era o Filho e não precisava aprender a
obediência a Deus, mas nós precisamos: nós sempre precisamos e sempre
precisaremos.
Por esta razão, o Filho assumiu nossa
humanidade e Se permitiu ser “educado” na prova do sofrimento,
permitiu-Se ser transformado por ele, como o grão trigo que, a fim de
dar frutos, deve morrer no solo. Através deste processo, Jesus foi
“feito perfeito”, em grego teleiotheis. Devemos nos deter sobre
este termo porque ele é muito significante. Ele mostra a culminação de
uma jornada, que é precisamente o caminho de educação e transformação do
Filho de Deus mediante o sofrimento, mediante uma dolorosa paixão. É
graças a esta transformação que Jesus Cristo tornou-Se “sumo sacerdote” e
pôde salvar a todos que Nele confiarem. O termo teleiotheis,
corretamente traduzido como “feito perfeito”, pertence a uma raiz verbal
que, na versão grega do Pentateuco, i.e., os cinco primeiros livros da
Bíblia, é sempre usada para indicar a consagração dos sacerdotes
antigos. Esta descoberta é muito importante porque ela nos conta que a paixão
foi para Jesus como que uma consagração sacerdotal. Ele não era um
sacerdote segundo a Lei, mas tornou-Se um sacerdote existencialmente em
Sua páscoa de paixão, morte e ressurreição: oferecendo-Se em expiação – e
o Pai, exaltando-O sobre todas as criaturas, constituindo-O Mediador
universal da salvação.
Retornamos agora, em nossa meditação, à
Eucaristia, que logo estará no centro de nossa assembléia litúrgica e
posterior procissão solene. Nela, Jesus antecipou seu sacrifício, não um sacrifício ritual, mas um sacrifício pessoal.
Jesus, na Última Ceia, age movido por seu “espírito eterno” com o qual
Ele depois oferecerá a Si mesmo na Cruz (cf. Heb. 9:14). Dando graças e
louvando, Jesus transforma o pão e vinho. É o amor Divino que
transforma: o amor com o qual Jesus aceita em antecipação o ato de
dar-Se inteiramente a nós. Este amor não mais do que o Espírito Santo,
que Espírito do Pai e do Filho, que consagra o pão e o vinho e muda sua
substância no Corpo e Sangue do Senhor, tornando presente no Sacramento o
mesmo sacrifício que ocorre cruelmente na Cruz.
Podemos, portanto, concluir que Cristo é o
sacerdote verdadeiro e eficaz, porque é cheio da força do Espírito
Santo, cheio da plenitude do amor de Deus, e isso, precisamente
“na noite em que foi traído”, precisamente na “hora da escuridão” (cf.
Lc 22:53). É esse poder divino, o mesmo poder que realizou a Encarnação
do Verbo, que transforma a violência extrema e a injustiça extrema em um
supremo ato de amor e justiça.
Este é o trabalho do sacerdócio de
Cristo, que a Igreja herdou e carregou através da história, na forma
dupla do sacerdócio comum dos batizados e aquele dos ministros
ordenados, a fim de transformar o mundo com o amor de Deus. Todos,
padres e igualmente leigos, são alimentados pela mesma Eucaristia, nós
todos nos prostramos em adoração, pois na Eucaristia está presente nosso
Mestre e Senhor, o verdadeiro Corpo de Cristo, Sacerdote e Vítima, a
Salvação do mundo.
Vinde, exultemos com hinos de alegria! Vinde, adoremos a Ele! Amém.
Bento XVI
Homilia da Missa de Corpus Christi 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário